Entrevista: Jornal Comunhão março de 2014

Leia a entrevista em sua íntegra. Cinco destas doze perguntas foram publicadas no jornal Comunhão de março de 2014

1. O que te motivou a escrever livros sobre as mulheres que fizeram diferença no cristianismo?

Quando lecionava na Faculdade Teológica Batista de Campinas e pesquisava livros de História do Cristianismo, sentia falta de referências sobre a participação feminina. Sabia que as mulheres, que desde o início do Cristianismo aceitaram o evangelho com alegria, não ficaram indiferentes ao trabalho no Reino de Deus durante o restante da história cristã. Mas, não encontrava informações sobre elas. Suas ações permaneciam ocultas e suas vozes abafadas, principalmente para os leitores brasileiros. Quando fui fazer o mestrado, escolhi como tema “A mulher na Reforma” e, para escrever minha dissertação, sob a orientação do Prof. Lourenço Stelio Rega, pesquisei sobre a contribuição feminina nesse importante movimento religioso e daí saiu o meu primeiro livro “Uma voz feminina na Reforma” (Veredas-2004 e Hagnos-2010).

2. Como surgiu a ideia dessa série Vozes Femininas?

Eu utilizava bastante nas minhas aulas a série de livros de Justo Gonzalez: “Uma história ilustrada do Cristianismo” e admirava o modo como ele escrevia e intercalava imagens que ilustravam seus textos. Então motivei-me a oferecer ao público brasileiro uma história da participação feminina com imagens e textos sobre personagens cristãs que conseguisse descobrir. Em 2009, eu tive o prazer de conhecer Justo Gonzalez e senti uma alegria muito grande quando ele prefaciou meu segundo livro: Uma voz feminina calada pela Inquisição (Hagnos 2012).

3. Qual a importância dessas mulheres para o cristianismo no mundo?

As mulheres sempre contribuíram para a propagação da fé cristã. Já escrevi o 4º livro “Vozes femininas no início do cristianismo”, (a ser publicado) e nele narro as primeiras cristãs que não negaram sua fé. Muitas foram mortas, jogadas às feras, queimadas, mas consideravam o dia de seu martírio como um dia de alegria porque iriam para os céus. A coragem destas mártires tornou-as exemplo de fé e até mesmo fez com que a posteridade as considerasse santas. Na Idade Média, as mulheres demonstravam seu cristianismo no cuidado com a multidão de doentes, leprosos e peregrinos. Elas se ajudavam mutuamente (seus maridos partiam nas cruzadas e as deixavam sozinhas) e algumas foram ousadas ao escrever e pregar em sua própria língua, o que era considerado um sacrilégio, pois a língua sagrada era o latim. E, estas pagaram com a própria vida o preço da ousadia, sendo condenadas pela Inquisição. Já, as mulheres na época da Reforma (Idade Moderna) só deviam ser esposas e mães, então coube às filhas ou irmãs de eruditos, às esposas de reformadores ou às nobres o privilégio de conhecer as idéias reformistas e aceitando-as, divulgá-las; porém, sempre com dificuldades. Hoje, percebemos que as mulheres são maioria na igreja protestante e fazem diferença por todo o mundo onde o evangelho está sendo divulgado: na evangelização, na educação, na escrita da história, na ajuda aos esposos que são ministros cristãos etc.

4. De quem são as vozes femininas no início do protestantismo brasileiro?

São de mulheres da época do Império e começo da República (séculos XVIII e XIX): escritoras, poetisas, estrangeiras que conheceram o Brasil, princesa Isabel etc. São as vozes das congregacionais, metodistas, presbiterianas e batistas. Vozes de Sarah Kalley, Martha Watts, Carlota Kemper e Ana Bagby, missionárias estrangeiras. Vozes das pioneiras em diversos ramos: Archimínia Barreto, na apologia da fé; Dra. Maria Amélia Cavalcanti, primeira médica do nordeste; Eunice Weaver, pioneira na ação social cuidando dos filhos dos portadores do Mal de Hansen etc. Vozes das missionárias aos sertanejos e indígenas, como: Noêmia Campelo, Marcolina Magalhães, Beatriz Silva; das líderes femininas, como: Cecilia Siqueira, Otília de Oliveira Chaves, Ester Silva Dias; das historiadoras, como Henriqueta Rosa Fernandes Braga, Eula Kennedy Long, Betty Antunes de Oliveira; das escritoras e poetisas, como Rosalee Apleby e Stella Dubois e outras.

5. O que nós, mulheres batistas, temos a aprender com elas?

Em primeiro lugar, a lutar por exercer nossa vocação cristã, tendo a certeza de que cumprir a vontade de Deus, edificando sua Igreja com nossos dons espirituais é a realização mais importante aqui na terra. Depois, aprender a exercitar o amor cristão. Essas pioneiras dedicaram suas vidas aos indígenas e sertanejos; às crianças carentes de educação; aos doentes e necessitados; enfim a todos cidadãos brasileiros carentes de amor e atenção e, principalmente, da luz de Cristo nos corações. Podemos aprender com o exemplo delas que vale a pena servir ao Mestre porque nossa recompensa é eterna.

6. Que tipo de lutas as mulheres no início do protestantismo brasileiro enfrentavam?

As missionárias estrangeiras enfrentaram, além das saudades dos familiares, as dificuldades com o aprendizado da língua e com os costumes diferentes, o sofrimento com as perseguições, as perdas de esposos e filhos ceifados pelas epidemias etc. As brasileiras tiveram de se adaptar à vida em regiões distantes, às mudanças constantes, à falta de conforto e, muitas vezes, à falta do básico para a sobrevivência. Passaram por dificuldades de transporte, de moradia e, além de tudo, sofreram discriminações inerentes ao seu gênero. Eram mulheres, e por mais que servissem ao reino de Deus, tinham suas atividades restritas. As missionárias abriam os caminhos, organizavam escolas e novas igrejas, ensinavam, pregavam, tocavam, organizavam EBFs (escola bíblica de férias), mas precisavam aguardar a vinda de um pastor para realizar batismos, celebrar a Ceia etc. Lembro do desabafo de Ana Bagby, uma evangelista nata: “Os homens são tão abençoados pelo seu ministério às massas através dos púlpitos (…). Almas, almas, são o que desejo de salário (…). Quero ver de novo o milagre da conversão”. No velório de William Bagby, Helena, sua filha, mesmo constrangida por falar em público, pois fora criada sabendo que não devia fazê-lo, usou a ocasião do velório para, testemunhando sobre a vida e obra de seu pai, ganhar almas para Cristo.

7. Essas lutas persistem até hoje ou a realidade hoje é diferente?

Algumas lutas eram inerentes à época, como as epidemias, as perseguições, a dificuldade de locomoção etc. Mas, a falta de liberdade para o pleno exercício da vocação cristã, mesmo tendo Deus como doador dos dons espirituais, continua até hoje para algumas mulheres. Coloco no livro diversos textos da época e um deles refere-se à prática da Igreja Batista da Bahia, logo em seu início, quando “mulheres não falavam” (O Jornal Batista – 25/01/1970), e, fico triste de ver que hoje as mulheres falam, mas são consideradas inadequadas para alguns ministérios. Sempre argumento que: “não devemos considerar incapacitado a quem Deus capacitou”.

8. Que análise você faria da posição da mulher nas igrejas evangélicas no Brasil e no mundo hoje?

Eu agradeço a Deus todos os dias da minha vida por ser mulher. Estudei muito e lecionei sobre Religiões Mundiais, sobre História do Cristianismo, História dos Batistas e outras disciplinas e encontrei pesquisadores que afirmam ser a mulher mais religiosa e mais propensa às coisas do espírito. Louvo a Deus por isso, e também porque, apesar de algumas denominações evangélicas restringirem ministérios às mulheres, elas, em sua maioria, não se importam com isso. Elas entendem que para servir a Deus não necessitam de cargos e dissociam completamente o ministério cristão da autoridade ou poder terreno. Entendem que não precisam de reconhecimento humano, mas do divino e entendem também que a graça de Deus lhes basta. Eu diria que hoje em dia a maioria das mulheres evangélicas não ocupa posições de destaque em suas igrejas ou denominações; mas, sinceramente, creio que isso ocorre porque nosso Deus nos ama e nos quer poupar do envolvimento com “politicagens”, “competições” e outras coisas que não agradam a Ele.

9. Qual a importância do ministério feminino para a expansão do Reino de Deus?

Desde os evangelhos, o ministério feminino é narrado e louvado. Jesus declarou sobre a mulher que o ungiu: “Em verdade vos digo que, onde quer que este evangelho for pregado em todo o mundo, também será referido o que ela fez, para memória sua”. Mateus 26.6-13. Se os escritores cristãos prestassem atenção nessa fala do Mestre, mais citações sobre o trabalho das mulheres seriam encontradas em seus livros: para memória delas. Jesus honrou as mulheres, não as discriminou, exaltou-lhes a fé, desfrutou do seu serviço, demonstrando que o ministério feminino é indispensável para a expansão do Reino de Deus. As mulheres receberam e transmitiram importantes mensagens, como: Jesus é o Messias (mulher samaritana) e Jesus ressuscitou (Maria e Maria Madalena) e continuam proclamando a mensagem de Cristo, pois entendem que se elas se calarem as pedras clamarão. Afinal, as ordens bíblicas são para todos os cristãos. É o próprio reino de Deus que perde quando aquelas a quem Deus capacitou são impedidas de exercerem seus ministérios.

10. Por que muitas mulheres têm dificuldade de encontrar espaço para desenvolver seus dons nas igrejas?

Acredito que isso ocorre em igrejas com líderes mais centralizadores e autoritários. Quando as mulheres possuem dons na área da música, cuidado com crianças, evangelização, ensino na escola bíblica, parece-me que têm mais liberdade; porém se o dom envolve liderança, palavra ao público, pregação, exortação, ministério pastoral, podem não encontrar espaço. Isso ocorre, em parte, porque não se consegue desvincular o ministério pastoral de um papel de autoridade e poder, enquanto o papel feminino seria o da submissão. Porém, o texto de Pedro é bem claro: “Não como dominadores dos que vos foram confiados, mas servindo de exemplo ao rebanho” 1Pedro 5.3. Não deve haver autoridade e domínio no trabalho pastoral, mas sim serviço ao Rei na prática da humildade, pois a submissão é para todos: “Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Deus” Efésios 5.21.

11. Quais foram suas dificuldades para escrever e lançar esses livros?

Foi bem difícil. Em relação à escrita, não dispunha de fontes em português sobre o papel feminino no Cristianismo. Precisei pesquisar livros em inglês, francês e espanhol para encontrar maiores informações. Em relação à publicação, as editoras evangélicas dão preferência a escritores renomados ou teólogos e pastores estrangeiros. Portanto, sendo eu brasileira, desconhecida e além de tudo mulher, não foi fácil. Depois de publicar por conta própria meu primeiro livro em 2004, passei de 2007 à metade de 2009 batendo à porta de 25 editoras, para a publicação do segundo, sem sucesso. Foi somente pela graça de Deus e visão de Marilene Terrengui, presidente da Editora Hagnos, que tem lançado escritores nacionais, que meus livros têm sido publicados. Agradeço muito também ao editor Juan Carlos Martinez que tem me apoiado e depositado confiança no meu trabalho.

11. Na sua opinião, o que tem tornado as mulheres batistas relevantes para o Reino e o cristianismo no Brasil?

Os batistas proclamam Cristo como único Senhor e Salvador, o único caminho para os céus e essa mensagem de salvação só pela graça de Deus tem sido divulgada pelas mulheres batistas. As mulheres se unem para orar por seus filhos, para encontros espirituais e se organizam em associações que contribuem para alcançar outras mulheres para Cristo. Como exemplo, podemos citar a União Feminina Missionária Batista do Brasil, com sua literatura excelente e sua atuação impactante. Muitas mulheres batistas também têm ganho seus maridos para Cristo e transformado seus lares, o exemplo de outras têm atraído vizinhas e conhecidas para o evangelho e as igrejas tem crescido com sua cooperação financeira e seu trabalho constante. Elas cooperam na promoção de missões, nas campanhas de construção dos templos, na ação social, nos artesanatos etc. Enfim, fazem tudo ao seu alcance para o crescimento do Reino de Deus aqui na terra. Eu, particularmente, agradeço a Deus por ser cristã, ser mulher, ser esposa e mãe. Agradeço porque Deus me deu o dom da fé, do ensino, da pesquisa e escrita e agradeço a benção de ser membro da Igreja Batista do Cambuí, uma igreja com 84 anos de organização, que se importa com Missões para tornar Cristo conhecido não somente na cidade de Campinas, mas em todo o mundo.

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