Capa do Livro - Uma voz feminina na reforma - Rute Salviano

Índice

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Sobre o Livro

Este livro apresenta o contexto da reforma e discorre sobre o papel feminino da época.

O objetivo da autora ao escrevê-lo foi fornecer dados inéditos sobre a participação da mulher na reforma, especificamente sobre a atuação de Margarida de Navarra, irmã do rei Francisco I, da França.

Ela foi escritora e grande humanitária e, como árdua defensora dos reformadores, teve um papel relevante para a divulgação de suas doutrinas.

O livro pode ser lido pelos cristãos em geral, desejosos de conhecer mais sobre a História do Cristianismo. Pode também ser utilizado por faculdades teológicas, como livro texto.

Por seu caráter informativo e por conter detalhes diferenciados, agradará aos leitores e atenderá à demanda de uma história cristã mais inclusiva.

 

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Opinião de Leitores

 

10 de abril de 2005
por: Sophia Steibel

Estou lendo o seu livro e gostando demais. A sua seleção de fonte primária é uma contribuição muito significativa. Você também foi feliz em proporcionar ao leitor o pano de fundo que antecedeu a Reforma e como ambos: a Renascença e a Reforma foram respostas às impunidades da Igreja (apesar de dois caminhos diferentes). Impressionante!
Até o momento só posso parabenizá-la e desejar que você continue brilhando em tudo o que faz. quem sabe este livro vai inspirar muitas mulheres porque vão encontrar um conteúdo revelador de suas próprias realidades. Creio que o seu livro tem valor eterno! Que Deus retribua a você todo o esforço empenhado e a guie a novos desafios.

 

30 de maio de 2005
por: Eda Maiolino de Souza

Agradeço por você me fazer conhecer a rainha de Navarra e sua bela história. Gostei muito, muito mesmo, e acho que descobri que gosto de biografias; seu livro me prendeu de tal forma que, todo o tempo que dispunha estava lá, com o livro a mão para ler mais um pedacinho.
Li-o avidamente, mas vou relê-lo, agora, degustando-o.

 

26 de dezembro de 2006
por: Marcos Inhauser

Adorei o livro que você escreveu. Entendo que você fez um excelente trabalho de pesquisa, abordou um tema pouco ou nada abordado, recuperou uma personagem bastante esquecida da Reforma.
Além disso, você tem excelentes habilidades de escrita, o que torna o livro fascinante.
Li de uma sentada (com algum exagero!). Decidi que iria pedir para você escrever algo sobre o tema de tal forma que no mês de outubro pudesse ser publicado na minha coluna. Seriam quatro artigos sobre a participação feminina na Reforma. (Obs: foram publicados em outubro/novembro de 2007, às 4ªs feiras)

Opiniões na orelha do livro – edição Hagnos 2010
por: Lourenço Stelio Rega
A pesquisadora Rute Salviano mergulha de forma brilhante na História da Reforma para destacar que este grandioso movimento não dependeu apenas da ação masculina, teve também uma voz feminina que muito contribuiu para seu sucesso.

por: Alderi Souza de Matos
Através de sua cuidadosa pesquisa, Rute Salviano nos lembra que a Reforma Protestante também teve significativa participação feminina.
Margarida de Navarra, irmã do rei Francisco I e avó de Henrique IV, deu contribuições decisivas para a Reforma na França, ofereceu refúgio a líderes do movimento e com eles manteve valiosa correspondência. Suas profundas convicções evangélicas se evidenciaram nas diversas obras de poesia e prosa que escreveu. A professora Rute merece o nosso reconhecimento pelo resgate de tão extraordinária personagem.

por: Justo Gonzalez
Como acontece frequentemente com muitas mulheres, a importância de Margarida de Navarra para a história da Reforma do século XVI foi negligenciada por muitos historiadores. Quando consideramos Margarida, a atenção dirige-se para sua participação nas lidas políticas da época. Contudo, Margarida foi uma personagem importante por si mesma que, além de estimular e proteger estudiosos, literatos e reformadores, escreveu suas próprias obras plenas de sabedoria e de paixão.
Neste livro, Rute Salviano Almeida abre-nos uma valiosa janela para este aspecto dessa rainha tão famosa e tão desconhecida.

4 de fevereiro de 2013
por: Jucelia Brandão
Quem diria que uma mulher pudesse ser destaque na sociedade masculina e endurecida da época.
Brilhante esse livro, que se tivesse mais mil páginas leria sem perceber.
Como realeza que era, Margarida não precisaria ir tão longe, mas o ímpeto a levou dando essa valiosa contribuição à sociedade.
Rute pesquisou mais de 50 livros e 10 sites, em outros idiomas, o que sinceramente leva tempo e dedicação. Ela merece louvor, reconhecimento e muitos aplausos, pois creio que em absolutamente nada, a criação deste livro foi fácil.
Parabéns à “Voz feminina na Reforma”.
Parabéns à Rute Salviano Almeida, que após conceber este livro, também faz parte da realeza dos escritores.

09/05/2014
por: Moyses Alves

Sou estudante de filosofia do Centro Universitário Assunção em São Paulo, conheci seus livros e me entusiasmei por pesquisar sobre a participação das mulheres na reforma protestante.
Seu texto elencou uma discussão relevante para a famosa historia do cristianismo; “ler a história em outras perspectivas ouvindo a voz feminina” de tal maneira que vejo em seus textos uma influência das escolas das mentalidades e da micro-história, seus escritos não apenas ressuscitam personagens mulheres, mas reconstroem o passado na tentativa de ouvir vozes que ainda são caladas e excluídas hoje na cristandade, neste sentido seus livros tem um certo tom de protesto.

 

Epígrafe

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Se cada vez mais mulheres recebem uma valorização
histórica de sua vida de fé, se cada vez mais mulheres
são descobertas do véu da invisibilidade em que
estiveram/estão sumidas, silenciadas,

se cada vez mais mulheres elaboram em palavras
escritas a sua experiência religiosa,
também cada vez mais o rosto da igreja muda.

Uma historiografia feminista tem consequências diretas
na eclesiologia, transformando-a em uma comunidade
de iguais.

Renate Gierus

 

Prefácio

Em geral ouvimos que o papel da mulher tem sido uma descoberta do mundo contemporâneo, mas o presente texto procura demonstrar que a mulher tem desempenhado importante papel no desenvolvimento da história já por muito tempo.

O texto trata da vida de Margarida de Navarra, que teve uma participação preponderante na época da reforma religiosa, conforme a professora Rute Salviano Almeida demonstra em seu texto, que foi produto de sua dissertação defendida para obter o grau de mestre em Teologia com especialização em História da Igreja.

É notável como há pouca menção da participação feminina não apenas nos movimentos da Reforma, mas também em quase toda a história da Igreja. Creio que a mulher faça parte dos excluídos da história escrita de cima, em geral com um enfoque positivista que ressalta os macromovimentos da Igreja, priorizando a leitura institucional, política e cismático-teológica.

Assim, a autora procura utilizar-se da micro-histórica como seu referencial teórico-metodólogico para reduzir sua escala de observação em busca do papel na história do cristianismo. Por isto mesmo, é um livro precioso, um livro que procura escrever a história vista de baixo.

A autora toma os devidos cuidados em associar à micro-história o macroambiente onde seu objeto de pesquisa se localiza, cuidando para dar o devido equilíbrio ao seu projeto teórico metodológico.

É como ela mesmo declara: “A pesquisadora do século XXI descobriu uma mulher no século XVI com quem se identifica por compartilhar a mesma fé…” Essa identificação o leitor vai notar quando estiver lendo o texto.

Sem dúvida, há muito que aprender dos inúmeros movimentos da Reforma. Talvez até precisemos hoje de uma nova reforma entre nós protestantes e herdeiros da Reforma, pois me parece que estamos bem distantes daqueles ideais conquistados e mesmo dos ideais bíblicos para uma vida eclesiástica saudável.

O texto procura conduzir o leitor a uma viagem ao passado denunciando a tenacidade de Margarida de Navarra em defender os ideais dos reformadores, bem como em proteger pessoas como os mesmo ideais.

O texto também demonstra a criatividade de sua personagem principal em se valer dos meios de que dispunha, inclusive da autoridade proveniente de sua condição política para que a Reforma pudesse prosseguir em seu reino.

Por causa disto, este livro poderá ajudar muito seus leitores a avaliar o seu presente e ver como poderão influenciar a propagação e o ensino do evangelho na vida cotidiana.

A autora está de parabéns em disponibilizar ao público o resultado do seu labor feito com muito afinco e carinho.

 

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Lourenço Stelio Rega

Mestre em teologia e educação, pós-graduado em Administração de empresas e doutor em Ciências da Religião. É diretor geral da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

 

 

Introdução

A maior parte dos historiadores modernos que tratam da Reforma raramente menciona as mulheres e são poucos os estudos sociais que tentam avaliar o papel da mulher nas mudanças religiosas do século XVI, é o que afirma uma das mais profícuas escritoras sobre a mulher na Idade Moderna: Natalie Zemon Davis.

Algumas hipóteses podem ser levantadas para justificar essa lacuna. Quem sabe as mulheres daquele tempo não se interessavam por teologia ou não eram capazes de entendê-la, conforme questiona Roland Bainton. Ou então a explicação pode estar no fato de as mulheres, em sua maioria, não terem destaque ou importância por si mesmas naquela época e, portanto, não era relevante falar sobre elas.

O objetivo principal desse livro, diante disso, é contribuir para resgatar o papel feminino na história do cristianismo, enfocando a figura de Margarida de Navarra, irmã do rei Francisco I, que reinou na França de 1515 a 1547.

Essa escolha foi baseada no entendimento de que sua proteção aos reformadores, seus escritos e sua humanidade fi zeram diferença no movimento da Reforma.

O tema é relevante porque informa sobre o papel da mulher no século XVI, apresentando os anseios e dúvidas de uma personagem histórica que viveu há tantos anos. Sua história é reconstruída na consideração de que hoje a biografia tem despertado um interesse crescente e há uma busca por compreensão do viver feminino não só público, mas também privado.

A identificação da escritora com a personagem estudada, pelo compartilhar da mesma fé e pelo mesmo prazer literário, facilitou o diálogo com as fontes. Como afirma Silva Dias: “O historiador imerso em sua contemporaneidade consegue iluminar um fragmento do passado por meio das fontes, entabulando com elas um diálogo”.

O primeiro capítulo traz um panorama geral da época, apresentando a França no século XVI e o reinado de Francisco I. O objetivo pretendido é dar ao leitor informações básicas para que se entenda o que acontecia naquele período e a relevância da atuação de Margarida dentro daquele contexto.

O segundo capítulo destaca a mulher como participante de uma sociedade renascentista, tendo como propósito dar uma visão geral do papel feminino dentro do lar, no ambiente leigo e no religioso. Neste capítulo será possível perceber a dificuldade da mulher exercer influência fora de seu lar e o porquê de Margarida ter influenciado pessoas ao seu redor e seu valor por isso.

No terceiro capítulo Margarida de Navarra é apresentada: sua origem, sua família, suas características e seu papel como filha, irmã, esposa e mãe são destacados. Com esse capítulo pode ser constatada sua dedicação à família e seu bom caráter, como também sua falha ao colocar seu papel de súdita real acima do de mãe.

O quarto capítulo enfoca sua voz política e social, seu papel como diplomata, conselheira e assistente social. Nesse capítulo seu desprendimento e humanidade podem ser observados.

O quinto capítulo discorre sobre alguns personagens que influenciaram Margarida em sua vida religiosa. Seu papel na disseminação da Reforma também é ressaltado. A importância do capítulo é o reconhecimento de sua ação efetiva, para descobrir “o papel ativo do indivíduo que antes parecia simplesmente passivo ou indiferente”.

A ênfase do sexto capítulo é a voz intelectual de Margarida de Navarra, que ecoou longe por meio de seus poemas e contos, famosos após sua morte. Com essa voz pôde falar sobre seu temor a Deus e demonstrar a vontade de despertar em seus leitores o mesmo sentimento que possuía.

Esse livro pretende destacar que, com sua participação ativa nas tentativas de mudanças na igreja, Margarida de Navarra contribuiu para a causa da Reforma. Se o mesmo conseguir preencher um pouco da lacuna da história das mulheres naquele período, terá valido a pena.

 

Sumário

INTRODUÇÃO

  • A ÉPOCA DA REFORMA
    • Pinceladas no contexto europeu
    • O contexto religioso na França
    • A sanção pragmática de Bourges e a Concordata de Bolonha
    • Os humanistas evangélicos
    • O desastre dos cartazes e da mutilação da estátua da Virgem
    • O contexto político na França e o reinado de Francisco I
    • O contexto social na França
  • A VOZ FEMININA NA ÉPOCA DA REFORMA
    • A voz feminina no ambiente do lar
    • Como mãe: voz que transmitia valores morais
    • Como esposa: voz que se apagava em submissão ao marido
    • A voz feminina no ambiente religioso
    • Como freira: voz enclausurada
    • Fora do claustro: suaves murmúrios
    • A voz feminina na sociedade
    • Como escritora: voz expressa pela pena
    • Como benfeitora e governante: voz de amor e de amparo
  • QUEM FOI MARGARIDA DE NAVARRA?
    • Sua origem e família
    • Suas características físicas e de temperamento
    • Margarida como fi lha: voz de obediência e respeito
    • Margarida como irmã: voz de devoção extrema
    • Margarida como esposa: voz de fi delidade e dedicação
    • Como esposa do duque de Alençon
    • Como esposa do rei de Navarra
    • Margarida como mãe: voz de imposição ao dever
    • Joana de Navarra: a filha que se tornou líder dos huguenotes
  • A VOZ POLÍTICA E SOCIAL DE MARGARIDA
    • Como diplomata: voz capaz e admirada
    • Como conselheira real: voz sábia e sonhadora
    • Como “patronesse” dos eruditos: voz de admiração e proteção
    • Como assistente social: voz de grande humanidade
  • A VOZ RELIGIOSA DE MARGARIDA 
    • Sua grande sensibilidade espiritual
    • Sua necessidade de uma religião de amor
    • Sua voz passiva: ouvindo vozes que a influenciaram
    • A voz exortadora de Calvino
    • A voz gentil e vacilante de Guilherme de Briçonnet
    • A voz sábia de Lefèvre d’Étaples
    • Sua voz ativa na causa da Reforma
    • Começando com suas cortes
    • Trabalhando para a disseminação da Reforma
    • Protegendo os reformadores
  • A VOZ INTELECTUAL DE MARGARIDA
    • Voz que denunciou a imoralidade com seus contos
    • Com o Heptameron: voz criticada
    • Vozes masculinas e femininas expressando suas opiniões
    • Um conto que denunciou a imoralidade dos sacerdotes
    • Um conto que denunciou um cordelier como causador de três homicídios
    • Voz que expressou espiritualidade com seus poemas
    • Com O Espelho da Alma Pecadora: voz que declarou sua fé
    • Voz que correu riscos de ser calada
    • Voz que se calou
  • CONCLUSÃO
  • REFERÊNCIAS

 

Trechos Impactantes

 

1. A voz religiosa de Margarida

Ela exaltou o Senhor como o único e suficiente Salvador e intercessor.
Ela comparou, como Lutero fez, a lei que busca, tenta e pune com o
evangelho que perdoa ao pecador por causa de Cristo e da obra que
ele completou na cruz. Ela olha para frente ávida e esperançosa por
um mundo redimido e regenerado pelo evangelho de Jesus Cristo.
Ela insiste na justificação pela fé, na impossibilidade de salvação pelas
obras, na predestinação, no sentido de dependência absoluta de
Deus como único recurso. Obras são obras, mas ninguém é salvo
pelas obras, salvação vem pela graça e “é o Dom do Deus Altíssimo”.
Ela chama a Virgem a mais abençoada entre as mulheres porque
ela tinha sido escolhida para ser a mãe do Salvador Soberano, mas
recusou para ela um alto lugar, e nas suas devocionais ela introduziu
uma invocação ao Nosso Senhor, em vez de “Salve Rainha”.
(T. M. Lindsay)

Margarida rompeu com os modos medievais do pensamento
e do viver religioso. Sua maneira de pensar em relação à Virgem,
combinada com sua indiferença quanto aos santos e às missas
e seu desprezo indisfarçável em relação à Eucaristia foram as
principais causas dos fortes ataques contra ela pela Sorbonne.

 

Sua grande sensibilidade espiritual

A alma de Margarida como um espelho claro e sensitivo
recebeu e refletiu a maior parte do bater trêmulo do
movimento intelectual e religioso em torno dela.
T. M. Lindsay

A tendência de Margarida era pensar nas coisas de cima, preocupar-
se com a vontade de Deus e desprezar as coisas terrenas.
Procurando um símbolo para expressar as suas necessidades
e sentimentos, escolheu para emblema, segundo Brantome, o
girassol, que se volta para o sol. Ela acrescentou: non inferiora
secutus (nada procuro aqui embaixo).

A noção do pecado era tão forte nela que fazia tempestade
de seus pequenos erros. Ela desprezava as ordens religiosas,
considerando-as inúteis e imorais e achava que a Reforma já estava
demorando muito. Já vinha de algum tempo lendo alguma
literatura dos luteranos e aprovava os ataques que faziam contra
a imoralidade e a cobiça dos eclesiásticos.

Contudo, era difícil lutar contra a mundanidade que a rodeava. Sua ternura pelo
irmão, a obediência que devia à mãe, as lisonjas da corte, tudo
conspirava contra o amor que tinha votado a Cristo. Algumas
vezes sentia que se afastava de seu Senhor, logo, porém, caía
em si e sentindo suas faltas, fechava-se em seus aposentos onde
compunha canções espirituais, como a que segue:

Para ouvir a voz do prazer, deixei-te,
Para fazer uma má escolha, deixei-te,
E deixando-te, aonde vim ter?

Não somente quando jovem, mas até quando mais velha
era severa consigo própria. Foi uma pessoa sempre inclinada
à piedade mística e “com toda a piedade era, contudo, sobre
todas as coisas, uma mulher de grande visão, indulgente com
as negligências dos outros, embora muito severa com as suas
próprias”.

 

Sua necessidade de uma religião de amor

Bem mais profunda é a ferida espiritual nascida da política
religiosa de Francisco I. A rainha de Navarra não
compreende mais a atitude do rei. O decreto repressivo
de 1540, mais a tragédia dos valdenses, massacrados em
nome da igreja e do rei, marcaram Margarida dolorosamente.

A afeição humana perdura, mas em dilaceramento,
ao ritmo dos processos e das fogueiras. E, de um outro
lado, suas simpatias pelos renovadores da vida religiosa
se abrandaram diante do endurecimento doutrinal de
Calvino, esse Calvino que ela havia acolhido em seus
domínios (…) Uma intolerância contra a outra, enquanto
ela almeja uma religião de amor (grifo nosso).
Jean Jacquart7

Margarida revoltava-se tanto com a tirania religiosa quanto
com a estreiteza de dogmas. Robinson acredita que ela não teria
sido feliz na cidade de Deus de Calvino, porque:

(…) teria compaixão de Servetto tão piedosamente como
se compadeceu de Luiz Berquin. Seu espírito singular e
moderno adoeceria ao entender essa dura e rápida salvação
de Genebra, essa satisfação na danação dos incrédulos. A
vida humana, o conhecimento, a tolerância e a liberdade
eram mais preciosas para ela do que qualquer código ou
qualquer crença. De fato, seu código e seu credo eram sua
crença nessas coisas; sua prática da bondade humana.
Essas suas palavras à morte, tão abafadas, tão refutadas
como indignas expressam seu princípio de vida: “O que
eu tenho feito fi z por compaixão, não por convicção”.

Naquela época, eruditos, reformadores, poetas, filósofos e
místicos tinham uma mesma causa em comum, que era contra
a ignorância, as convenções e o aprisionamento da mente.
Margarida adotou as ideias da nova fé porque seu misticismo
e sua consciência da caridade faziam da tolerância algo muito
necessário.

Ela foi uma cristã convicta e ardente e procurou seguir o menor
número de formas, pois seu cristianismo era o mais prático
possível. Sentia desgosto com a superstição e com os monges que
exploravam a credulidade popular.

Seu desejo, assim como o de Lutero, não foi o de separação,
mas o de purificação da igreja.
O amor pela especulação era forte nela, mas seu amor pelas
boas obras, pela humildade e reverência era ainda maior. Por ser
o coração de Margarida seu ponto fraco e também o forte, era
conservadora e “tinha nascido para purificar uma velha ordem
em vez de fundar uma nova”.

Williams afirma que os historiadores protestantes querem
provar que Margarida abraçou a fé reformada, enquanto historiadores
católicos querem provar que, em seus últimos anos, ela
abandonou suas opiniões heterodoxas que provocaram a hostilidade
da Sorbonne.

Para ele, contudo, ela sempre se apegou a
uma esperança de uma reforma pacífica da igreja que a restauraria
a simplicidade primitiva, sem quebrar sua unidade.11

Também o historiador Lessa, sem defini-la como católica ou
protestante, considera-a com ponderação e com fortes elementos
para isso, uma amiga dedicada da Reforma.

Walker denomina-a “protestante em segredo”, afirmando que a culta e popular irmã
do rei Francisco I, Margarida d’Angoulême, apoiou decidida e
dedicadamente os reformadores.

Já Robinson observa que foi a perseguição cruel promovida
aos protestantes que a fez identificar-se ainda mais com eles. Sua
compaixão pelos oprimidos fazia doer seu coração e o espetáculo
da injustiça a magoava muito, pois tinha grande ternura pelos
perseguidos.

 

2. Protegendo os reformadores

O fervor místico de Margarida aumentou com a perseguição.
Ela estava agora, mais do que nunca, identificada com o partido
da Reforma, pois a violência com que os reformadores eram
atacados tocava a mais forte fibra de sua natureza, sua compaixão
pelos perseguidos:

Negligente quanto ao seu próprio risco ela labutou dia e
noite para resgatar e preservar esses esgotados fugitivos.
Para obter um lugar de refúgio para estes, um perdão
para aqueles, uma pensão para outros. Ela trabalhou
para tal propósito e usou para tal efeito sua infl uência
com Francisco que, desde 1521, quando a perseguição
começou, até 1525, o ano do cativeiro, nenhuma vítima
foi queimada viva na estaca da ortodoxia. Mas ainda
havia outras misérias: açoites, marcas com ferro quente,
torturas, calabouços miseráveis, dos quais ela não podia
resgatar todos os suspeitos. O espetáculo de tão grande
dor e injustiça feria seu gentil coração.
O abrigo e a proteção que Margarida deu a tantos eruditos e
reformadores levou um de seus protegidos a compará-la a “uma
galinha que carinhosamente reunia os pintinhos e os cobria com
as asas”.

Um desses protegidos foi Luiz de Berquin, cuja “pureza de
vida e seu profundo saber lhe valeram o título de ‘o mais culto
dos nobres’, a franqueza de sua índole, o cuidado que tinha com
os pobres e sua ilimitada afeição pelos amigos distinguiam-no
acima de todos os seus semelhantes”.

Berquin era um observador devoto das cerimônias da igreja e
tinha horror às heresias. Mas quis conhecer as Escrituras Sagradas
e o livro ganhou o seu coração. Logo desejou comunicar à França
inteira as convicções de sua alma e imediatamente começou a
escrever e traduzir para o francês muitos livros cristãos. Beza, o
sucessor de Calvino, afi rmou que “a França poderia ter achado
um segundo Lutero em Berquin se este tivesse achado um
segundo eleitor em Francisco I”.

Em 1523, quando a Sorbonne o prendeu por ter traduzido
algumas das obras de Lutero, foi colocado em liberdade devido à
intercessão de Margarida ao rei. Quando foi preso, pela segunda
vez, ela conseguiu novamente autorização para libertá-lo. Porém
quando o intrépido reformador foi preso pela terceira vez, o rei
estava ausente e o impenitente luterano foi morto na fogueira
em 1529.

Berquin conservou até o fi m a mesma intrepidez. Vestiu-se
de trajes de gala, como se caminhasse a um festim.
Interpelado, respondeu: ‘Não terei de apresentar-me
hoje em uma corte – não na de Francisco – mas na do
monarca do Universo?’. Era o dia 10 de dezembro de 1529.
Referindo à cena, segundo depoimento de testemunha
ocular, disse o sábio Erasmo: “Quando o carrasco, com
a voz rouquenha, leu-lhe a sentença de morte, as suas
feições não se alteraram de modo algum. Caminhava a
passos fi rmes. Não era o embrutecido de um criminoso
endurecido: era a serenidade, a paz de uma consciência
limpa… Após a execução, o grande carrasco disse em
alta voz, em presença do povo, que há mais de cem anos
ninguém na França, talvez, houvesse morrido como
melhor cristão”.

Margarida passou a ter dificuldades de interceder junto
ao rei, porque este começava a se impacientar com o zelo dos
evangelistas, aos quais considerava fanáticos.

Oscilando entre o desejo de servir aos seus irmãos em
Cristo e a sua incapacidade de protegê-los, Margarida
mandou-lhes aviso para que se abstivessem de incorrer
em novos perigos, uma vez que já não podia mais
interceder por eles junto ao rei. Os amigos do evangelho
acreditavam que tal determinação não fosse irrevogável,
dizendo: “Deus concedeu graça a ela, para dizer e escrever
somente aquilo que é necessário às pobres almas”. Mas,
tirado aquele esteio humano, ainda restava Cristo. Bem
vale à alma despojar-se de toda proteção para poder
contar exclusivamente com Deus.

Em 1533, o próprio reitor da Sorbonne, Nicolau Cop proferiu
um discurso sobre o Sermão da Montanha com ideias pouco
ortodoxas. Ele proclamou Cristo como único mediador, o que
o tornou suspeito de desprezar a Virgem Maria e os santos.
Conclamou a um retorno exclusivo ao evangelho, deixando
a tradição de fora e chegou ao cúmulo de abordar o tema da
justificação pela fé.

Por ser Cop amigo de Calvino, correu o boato de que fora
o próprio reformador quem escrevera o discurso e os dois
tiveram que fugir para escapar da perseguição.

Tentaram capturar Calvino num colégio onde estava, mas seus amigos o
desceram por meio de lençóis da janela de seu quarto e, como
Paulo, escapou. Escondeu-se por alguns meses em Angouleme,
onde desfrutou de uma rica biblioteca na casa do cônego Luiz
Du Tillet, um amigo secreto da Reforma. Pressupõe-se que foi
nesse lugar que ele concebeu escrever As Institutas.

Depois foi para Nérac, corte de Margarida, onde encontrou Lefèvre que
o acolheu com prazer, antevendo nele um instrumento para o
estabelecimento do reino de Deus na França. Margarida, além
de lhe dar refúgio em seu reino, conseguiu o encerramento de
seu processo.

Roussel, Berthaud e Corault pregaram em Paris com a permissão
de Francisco I, devido às sugestões de sua irmã. Quando
foram presos, depois do caso dos cartazes, ela intercedeu por
eles e o irmão concedeu apenas que saíssem da prisão para o
claustro.

Marot, o famoso poeta, foi acolhido na corte de Margarida
quando fugiu de Paris, depois da questão dos cartazes. Foi
devido à intercessão dela que, em 1526, recebeu a permissão de
voltar para a França. Comprometido por sua famosa tradução
dos Salmos, que tinha sido adotada pelos protestantes, foi exilado
novamente em 1543.

Quando Margarida viajou para Espanha, apelou para o
rei em favor dos reformadores e este enviou ordens à rainha
regente para ordenar ao Parlamento que suspendesse todos os
processos até o seu retorno e que não ocorresse mais nenhuma
nova execução.

Em uma de suas viagens, na função de governadora da Guiana,
devido à ausência do marido, a rainha teve a oportunidade de
ajudar o irmão do célebre reformador Melanchthon. André
Melanchthon tinha sido preso por pregar na cidade de Agen.
Margarida foi pessoalmente ao Palácio da Justiça e solicitou a
libertação dele ao Parlamento da cidade, tendo sido atendida.

Foram vários os processos em que Margarida interferiu:
no caso de Briçonnet, ajudou-o a ser absolvido da acusação
de heresia; em relação à Lefèvre, obteve a nomeação de uma
comissão especial, que, depois de examinar os indícios de sua
alegada heresia, o isentaram completamente; quanto a Miguel
d’Arande, que tinha fugido, assegurou sua volta à França, assim
como as de Roussel e Farel.

Pelos relatos acima, pode ser comprovado que a atuação de
Margarida na defesa e proteção dos reformadores foi de grande
valia para a causa da Reforma. Sua posição privilegiada concedeu
os meios para atuar, porém foram sua fé e compaixão que
a motivaram a agir. Muitos outros personagens na história tiveram oportunidades
e meios para trabalhar pela fé, mas não a
sentindo em seus próprios corações, o que poderiam ter feito?

 

Conclusão

Este livro pretendeu “desocultar” Margarida de Navarra e sua contribuição à Reforma aos olhos dos leitores brasileiros, no entendimento de que ela merece ter seu nome mais presente nas páginas dos livros de História do Cristianismo por sua ação para o retorno a um cristianismo mais puro, prático e espiritual.

Buscou-se resposta à questão levantada na introdução sobre se as mulheres do século XVI não se interessavam por teologia ou se simplesmente, tal estudo não fazia parte de seu mundo. Pelo contexto da época, percebeu-se que, de fato, tal atividade não era aceitável ou apropriada para mulheres.

Um escritor da época, o jurista Florimond de Raemond, afirmava que era mais fácil fazer as mulheres caírem em heresia do que os homens, pois eram fracas e imbecis e suas rocas fiavam mais maldades do que as espadas dos militantes.

Um poeta, mesmo elogiando uma nobre dama que lia no vernáculo tratados em honra a Deus e à Virgem Maria, dizia conhecer suas limitações, “as mulheres não devem utilizar suas mentes para investigar questões curiosas de teologia ou as coisas secretas da divindade, cujo conhecimento pertence aos prelados, reitores e doutores”.

Porém, o fato de a mulher não demonstrar interesse por assuntos religiosos não pode ser confirmado pelo estudo feito. Como exposto no capítulo 2, o lugar da mulher era em sua casa e suas ferramentas deviam ser a roca e o fuso. Havia, contudo, pessoas que pensavam de maneira diferente. Uma delas foi o sábio humanista Erasmo de Roterdam, que dizia ser a mulher capaz de aumentar seu campo de atuação.

O autor do panfleto A maneira de chegar ao conhecimento do Senhor também reconheceu que a mulher precisava preocupar-se com o estudo bíblico e com sua salvação. Ele argumentou: Dizeis que as mulheres que querem ler a Bíblia são apenas libertinas? Eu digo que vós as chamais de promíscuas apenas porque elas resistem à vossa sedução. Dizeis que as mulheres podem ler Flamette de Boccaccio ou A arte de amar de Ovídio, que as ensina a ser adúlteras, e, no entanto, mandareis para a fogueira uma mulher que estiver lendo a Bíblia. Dizeis que basta para a salvação de uma mulher que ela faça seu trabalho de casa, costure e fi e? … Qual é, então, o uso das palavras de Cristo para ela? Mandareis as aranhas para o céu, porque elas fiam muito bem.

Vozes femininas ergueram-se em defesa de uma oportunidade para falar e escrever sobre sua fé. A carta de Marie Dentiere e a obra de Margarida de Navarra são exemplos disso. Elas foram, entre outras, mulheres que tiveram algo a dizer em relação à sua crença cristã.

Para escrever esse livro, vários historiadores foram pesquisados na busca por conhecer e destacar essa contribuição feminina à Reforma Francesa. A história da dedicação de uma mulher foi colocada acima das histórias de corrupção do clero, de vantagens políticas e de guerras pela posse de territórios. Nos capítulos 1 e 2, o panorama da época e o papel feminino mostraram como era difícil para uma mulher expressar suas opiniões e influenciar outras pessoas. Demonstrou-se também a necessidade remente de reforma moral, religiosa e social.

O capítulo 3 apresentou Margarida de Navarra, revelando seu lado humanitário e o papel que desempenhou em seu país. Pode-se perceber que seu comportamento não foi igual ao de seu tempo. O fato narrado de sua fuga aos ataques de seu admirador, mesmo contrariando a vontade da própria mãe, revelou seu firme caráter moral. Sua participação na política e seus esforços na ação social comprovaram que fez diferença em sua época.

O capítulo 4 tratou de sua concepção religiosa. Seu trabalho ativo em prol das ideias reformistas e dos reformadores, preservando ideias e vidas, tornou possível a divulgação da mensagem da Reforma. Foi importante para o reformador Calvino contar com seu apoio; para o poeta renascentista Marot sua proteção foi de grande valia e sem seu patrocínio talvez o filósofo erudito Lefèvre não tivesse traduzido a Bíblia para o francês.

No quinto capítulo conhecemos sua voz intelectual. Suas poesias falaram da salvação pela fé e foram condenadas pela Sorbonne. Escrever seus contos, considerados imorais, foi o modo que encontrou para que até mesmo leigos entendessem um pouco dos princípios reformistas. Usando um gênero literário apreciado na época, Margarida apresentou, de uma maneira diferenciada, a moral cristã aos seus leitores. Ela queria mudanças nas relações entre homens e mulheres, o que pode ser confirmado pelo fato de que seus contistas eram cinco homens e cinco mulheres que, igualmente, contavam suas histórias e apresentavam suas opiniões.

Mas, por que ela usou essa linguagem? Por que não escreveu teologia de uma forma mais clara, mais sistematizada, como fez Calvino? Em primeiro lugar, é necessário destacar que mulheres e homens têm estilos diferentes de escrever. Gierus destaca que “quando uma mulher escreve uma história a partir de seu ponto de vista, ela tem características próprias. (…) A história escrita por mulheres não será somente objetiva, racional, normativa. As relações não o permitem. Sua história será também subjetiva, apaixonante, informal”.

Em segundo lugar, Margarida usou a retórica alegórica ao escrever o Heptameron na intenção de evitar debates ostensivos que só iriam aumentar as separações e causar conflitos. E, por último, foi um recurso criativo que usou para atrair um público nobre que apreciava histórias divertidas como as de Boccaccio. Ela acreditava que suas histórias seriam mais lidas do que um tratado teológico e suas reflexões ao final de cada uma delas apresentaria a mensagem cristã.

Sua singularidade na história da igreja cristã foi destacada.

Vários bons adjetivos foram usados para qualificá-la: amiga dedicada da Reforma, crente virtuosa, mulher de grande espírito e habilidade, humanista defensora do saber, política capaz e ponderada, poeta que fez teologia, cristã tolerante e outros mais.

Margarida foi suspeita de heresia tanto por católicos quanto por protestantes5 e em várias ocasiões colocou seu papel de súdita real acima de outros papéis. Mas não se deve julgar com olhos contemporâneos. É preciso buscar entender sua situação como irmã do rei, que lhe permitia ajudar a causa da Reforma, mas também a tornava conivente com ações que talvez não aprovasse.

Pode-se argumentar que fez o que fez por seu lugar de destaque na corte francesa, que lhe possibilitou transpor as convenções sociais. Sim, foi sua posição influente que tornou sua atividade intelectual mais eficaz e lhe permitiu abrigar os simpatizantes da Reforma, mas foi sua fé cristã que a motivou a agir e a fez diferente no meio da corte corrompida da época.

De nada adiantaria sua posição sem sua compaixão.

Sainthe-Marthe, na ocasião de sua morte, afirmou que:

“(Margarida) mostrava em seus olhos, em sua tolerância, em seu comportamento, em seu discurso, e, sem dúvida, em todas as suas ações que o Espírito Santo de Deus tinha sido seu salvo-conduto”.

Porém, humana como todos nós, ela teve seus defeitos também. Muitas vezes colocou o amor ao irmão e ao reino acima da fé e do seu dever como cristã de divulgá-la. Temeu deixar uma tradição tão enraizada em seu país e se arriscar a enfrentar o desprezo do rei e a zombaria do povo. A princípio, seu caráter dócil abrandou a oposição; depois, entristecida com tantas lutas, prisões, debates ostensivos e sem saber mais o que fazer, ela ocultou do mundo a sua crença, preferindo o sossego da acomodação.

Ela foi como nós somos. Teve momentos de glórias, de alegrias e de louvores. Teve momentos de acertos e conquistas. Mas também teve momentos de erros e decepções, momentos de fracassos e angústias, momentos de dores e de lágrimas. Ela foi corajosa em alguns momentos, fraca e insegura em outros. Falou de sua fé, mas também se calou; gritou de horror diante da perseguição, mas também louvou os atos do irmão perseguidor.

Contudo, sua ação na defesa dos reformadores e sua pena ao escrever poemas espirituais deixaram sua mensagem da salvação somente pela fé e da segurança do cristão quando descansa em Deus.

Margarida foi uma mulher do século XVI que registrou suas ideias e crenças, algo raro à época e importante de ser destacado hoje, quando se procura escrever uma história inclusiva que abrange a mulher múltipla. Ela teve muitas faces e desempenhou vários papéis: foi filha, irmã, esposa e mãe; foi embaixatriz, governante, princesa e rainha; foi humanista e humanitária; foi defensora do saber e da purificação da igreja; foi contista e poetisa, mas acima de tudo foi cristã. Foi difícil satisfazer, ao mesmo tempo, seu irmão, seu marido, seus professores luteranos, seus amigos eruditos e sua própria consciência liberal.

Pelos fatos relatados percebe-se que muitas vezes ela falhou por causa de sua grande tolerância.

Em nossos dias também é impossível agradar a todos. A mulher exerce várias funções e cuida de muitas coisas ao mesmo tempo. Às vezes ela falha por excesso de amor e, querendo proteger aqueles a quem ama, pode deixar de estabelecer limites, exortar e aconselhar. Margarida foi conselheira real e nesse papel teve êxito em alguns momentos e em outros não. Ela poderia ter falado mais abertamente, poderia ter escrito mais claramente, poderia não ter deixado dúvidas quanto a qual era sua igreja. Será que foi mais convicta ou mais compassiva? Foi mais mística ou procurou o discernimento? Foi católica ou protestante? Foi teóloga ou mera alegorista?

Dúvidas em relação a ela irão permanecer, mas seu exemplo como imitadora de Cristo e como alguém que viveu a prática do cristianismo permanece também. Ela acolheu os desabrigados e perseguidos, deu comida aos famintos, atendeu os doentes e auxiliou os órfãos e as viúvas como Cristo orientou.

Ela só ajudou aos reformadores perseguidos por causa de seu papel de destaque? Se fosse menos inf uente conseguiria ter feito o que fez? Talvez não. Porém, muitas pessoas influentes, que poderiam ter feito até mais do que ela, nada fizeram; ou agiram como carrascos, sendo responsáveis pela execução de várias pessoas, pois não tinham a mesma compaixão pelo próximo.

A rainha Catarina de Médicis, por exemplo, ocupou o trono da França alguns anos depois da morte de Margarida. Ela foi casada com Henrique II, sobrinho da rainha de Navarra, e reinou como regente porque seu filho, futuro rei Carlos IX, era uma criança adoentada de apenas nove anos.

A história registra o fato triste e sanguinolento da matança de São Bartolomeu, quando milhares de huguenotes foram mortos durante seu reinado.

Catarina ambicionou o poder e o teve. Mas, o que fez com ele? A posição de destaque de Margarida sem sua fé e sua compaixão também não teria sido útil para a Reforma.

Pode-se e deve-se escrever ainda mais sobre a participação feminina na Reforma, pois quantas outras mulheres desconhecidas por nós colaboraram com a divulgação do evangelho quando não se calaram a respeito do que criam? Novas pesquisas devem ser feitas e divulgadas para que mais informações sobre a história cristã sejam conhecidas, principalmente em nosso país.

Que as mulheres cristãs, que têm talento para escrever, motivem-se com a história da vida de Margarida a colocar no papel pensamentos, devocionais, sermões, fatos históricos e tudo que possa ajudar na divulgação da mensagem do evangelho.

Que se lembrem também da exortação de Dentière de que não é bom esconder o talento que Deus deu, para que outras mulheres, que contribuíram e contribuem na formação de nossa história, sejam “desocultadas”; pois assim estarão transformando a igreja em uma comunidade de iguais, que não faz acepção de pessoas, assim como ensinou Cristo.

Que as boas qualidades de Margarida possam servir-nos de exemplo e que a sua oração seja também a nossa:
Cria em mim um coração puro, ó Deus, e renova dentro de mim um espírito estável.
Salmo 51.10